ESTABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO. DEVE ACABAR?

Tem muita coisa ruim no serviço público que precisa mudar. Será que a estabilidade do servidor é uma delas?

Bem, primeiro precisamos entender por que o servidor público tem estabilidade no cargo que ocupa e o que ela realmente significa.

A estabilidade do servidor público é a garantia – constitucional – de que o servidor não perderá o cargo público que ocupa, salvo por processo administrativo disciplinar ou avaliação de desempenho em que houver constatação de inadequação ao serviço público ou ainda, por sentença judicial transitada em julgado.

Já de cara a gente percebe que a garantia da estabilidade não é absoluta como se propaga. O servidor pode, sim, perder o cargo se não se comportar direito ou for constatado que não tinha direito a ocupa-lo ou qualquer outra situação que se possa enquadrar nas condições constitucionais que citamos.

Então, em uma comparação simplificada, a estabilidade seria equivalente à necessidade de justa causa para demissão prevista na CLT. A proteção do servidor – que em última análise, é a proteção do serviço público em si – limita-se àquelas situações relativas à conveniência e oportunidade do gestor, ou da má administração com os recursos do contribuinte, por exemplo.

Muitos pensam que a estabilidade do servidor público não passa de privilégio e que, na realidade, não tem razão de ser. Mas isso não é bem verdade.

Quem atua no serviço público sabe que inúmeros servidores públicos excelentes, em situações difíceis em que esses servidores se mantêm éticos e técnicos, simplesmente estariam fora do serviço público, não fosse a garantia da estabilidade.

Embora uma série de críticas ao serviço público de um modo geral seja pertinente (ineficiente, excessivamente burocrático, de má qualidade etc), só a estabilidade foi capaz de manter muitos servidores públicos sensacionais prestando um serviço digno e à altura das expectativas do contribuinte. Acredite ou não, não fosse a estabilidade a situação seria ainda pior.

De verdade concordamos que muitos dos conceitos e práticas da iniciativa privada seriam muito bem-vindos ao serviço público, mas não podemos ignorar as diferenças importantes entre o setor público e o privado. Para darmos um exemplo, no serviço público há alteração de chefias, diretorias e gestão muito mais frequente que no setor privado. Nos tribunais, por exemplo, é comum a cada dois anos alterar-se o presidente, e com ele, todo o quadro de diretores, chefes e assessores. Isso é inimaginável na iniciativa privada. No Poder Executivo essa alternância faz parte dos princípios republicanos e da democracia. A cada mudança de governo os ministros, secretários, diretores e chefes mudam também, a fim de – em teoria – colaborarem para a implantação das políticas públicas vencedoras no pleito.

Imagine, agora, que aquele servidor efetivo técnico – um médico, um advogado, um contador, um técnico em tributação, um auxiliar de enfermagem – com a mudança de governo se encontrasse em desalinho com a ideologia política do novo governante e sem estabilidade, pudesse ser demitido sem justa causa. Um excelente servidor poderia facilmente sair dos quadros públicos apenas por não compartilhar da mesma linha política do governante da vez! E imagine isso acontecer a cada quatro anos! Imagine o gasto enorme com concursos públicos e admissões de novos servidores a cada troca de governo! E imagine os critérios de admissão de servidores... E você pode continuar sua imaginação por aí...

Caso não houvesse estabilidade do servidor público, toda a massa de servidores que carregam o serviço público brasileiro nas costas estaria extremamente vulnerável à obediência a ordens de cunho eminentemente político, ilegais e inconstitucionais de seus superiores, como por exemplo, é o caso dos servidores comissionados. Já falamos um pouco sobre isso aqui. Inúmeros pareceres técnicos não viriam à tona, pois ordens superiores os impediriam. Inúmeras decisões técnicas seriam deixadas de lado, privilegiando as decisões puramente políticas e assim por diante.

O serviço público é ainda profundamente permeável à interferência política, devido ao modelo desenhado, muitas vezes em nossa própria Constituição Federal, outras vezes, por conta da própria característica republicana de alternância de poder. Então, nem tudo é comparável à iniciativa privada.

De outro lado, é preciso lembrar sempre que para a ineficiência, a “incompetência”, a negligência, o chamado “corpo mole” do servidor, a própria Constituição Federal já receitou os remédios: avaliação periódica de desempenho, processo administrativo disciplinar e decisão judicial. Basta que o gestor efetivamente use desses meios e faça valer o que diz a Constituição Federal em prol de um serviço público mais eficiente e digno do contribuinte.

Enquanto, todavia, os instrumentos dados pela própria Constituição Federal não forem efetivamente utilizados – seja por razões políticas ou corporativistas – não há que se atacar a estabilidade, instituto que protege, mais que o servidor, sobretudo o serviço público e o próprio contribuinte.

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